terça-feira, março 7

Os surdos (ou os descrentes)

s
Império do verbo

Carta (Conversando com Mishima e Galeano)

Quando estive nos vales andinos pela primeira vez fui arrebatado pela sensação do sublime. Não sei se a primeira vez, mas a primeira consciência de um estado anímico que me impingia o silêncio.

Acordar e olhar pela janela, o sopé do morro enorme. Olhando para o alto. De repente a percepção da minha fragilidade. Mas não medo. Como se estivesse no lugar adequado. Sem grandes expectativas ou sonhos de grandeza. Como poderia ser eu maior que aquele belo muro verde? Nunca. E deixei de pretender, sem frustração.

Não são poucas as vezes que isso me ocorre com as coisas. Os filmes, as músicas, os jogos de futebol, as imagens do espaço, a cosmologia e mesmo as cores da primavera e do outono. Tudo que consegue me arrancar são sorrisos mornos. E nisso está tudo que pode ser dito.

Com as pessoas não é diferente. Mas de outra maneira. Nas coisas não se pode interferir. Tentar seria arrogância. Não que com algumas pessoas não seja também assim. Existem aquelas cujos sorriso e o andar por si só causa sublimação. Mas elas estão lá. Objetos.

Com outras no entanto a impressão é acompanhada de um laço invisível. Feito de sons, palavras e afetos. Destes três, os dois primeiros por si só não dizem nada. Dizem, desde que não o digam. E esta qualidade é que o torna tão repleta. Lembra-me o conceito de Mu, ideograma japonês, epitáfio no tumulo de Ozu, que significa o TUDO que é NADA. Uma espécie de mudez onde se encontra o relevante. Assim eram os próprios filmes dele. Onde os personagens tinham suas conversas cotidianas com "bom dia" ou um "hoje vai chover" mas ali se encontrava toda a teia de querer entre eles, sem a necessidade da palavra incisiva. Ingenuidade seria não crer.

Outro dado desta outra classe de beleza, despertada pelas pessoas, diz respeito à memória. Construída não só de sons e palavras. Mas de sorrisos, abraços e toques. A pele tem talvez uma memória muito melhor que a nossa desmemória. E ela sente saudades, inclusive do que nunca existiu. Quando enlaçados, os amantes apaixonados, são feitos deste silêncio (o da montanha). O tato daquilo que alguns denominam amor é algo que não se pode descrever em palavras, talvez poraquê elas estejam para preencher lacunas. Pessoas enamoradas não têm lacunas.

Surdo e mudo

O momento mudo onde não há espaço para verbo. Mu. O silêncio repleto de significados.
O momento surdo, onde o verbo impera. Palavras jogadas ao vento. Incomunicabilidade.

*Indignado...FUCK OFF...FUCK OFF...* Eu posso ser desastrado mas Filho da Puta não!*